Marcia Silva - Consultora Sociollog - Administradora, especialista em Terceiro Setor e Investimento Social Privado, pós-graduada em Gestão Social, mestre em Administração, doutoranda em Design com pesquisa na área de Inovação Social e docente em Administração
Em territórios marcados pela vulnerabilidade social é recorrente a existência de iniciativas comunitárias que, por meio de práticas colaborativas variadas, buscam atenuar emergências decorrentes da falta de acesso aos direitos sociais básicos. Estes coletivos podem ser formalizados ou não, físicos ou virtuais, e promovem oportunidades de aprendizagem e experimentação [1] gerando inteligência coletiva, resultante de uma diversidade de pessoas agindo colaborativamente [2]. A colaboração entre indivíduos diversos e plurais possibilitam a troca de conhecimento tácito, enriquecendo o repertório coletivo potencializando soluções para demandas locais. As práticas colaborativas podem ser entendidas como jornadas coletivas com objetivos comuns, com maior ou menor grau de inovatividade [3].
Segundo Heemann et al. [4] as práticas colaborativas integram necessidades e valores diversos dos atores do território, tangibilizando conceitos abstratos como cooperação, coletividade e colaboração na construção de soluções. Para Manzini [5] (p. 62), “[…] o conjunto da sociedade contemporânea, em sua complexidade e contraditoriedade, pode ser visto como um imenso laboratório de ideias para a vida cotidiana, onde modos de ser e de fazer se desdobram em novas questões e respostas inédita.”
O Design Estratégico parte da cultura de projeto para estabelecer um processo dialógico entre os atores envolvidos. Mauri [6] traz o entendimento do projeto da estratégia como um movimento transdisciplinar que advém do coletivo, onde busca tornar visível o pensamento, por meio das capacidades de: Ver - ler os fenômenos de forma aprofundada, Prever - a partir do que é visto, antecipar criticamente futuros, e Fazer ver - tornar visíveis cenários futuros [7].
No design estratégico, a estratégia é o objeto principal do processo projetual; um processo coletivo de construção de sentido e valor, por meio de relações, na perspectiva de um sistema com crenças, valores e ações para lidar com o ambiente externo e responder às incertezas, desenvolvendo diferenciais que suportam e aprimoram a forma como o grupo (comunidade, coletivos ou organizações) se coloca na sociedade, ao longo do tempo. Assim, o Design Estratégico traz um olhar sensível para os processos e estratégias, por meio do diálogo aberto e participativo, reconhecendo e valorizando as diferenças como potencialidades e sem a intenção de suprimi-las, mas refletindo sobre os diversos olhares envolvidos em um processo de construção social, que transforma aqueles que dele participam [8, 7, 9].
Realizamos uma pesquisa envolvendo 15 iniciativas de práticas colaborativas em territórios periféricos de SP, RJ, RS e PB, onde buscou compreender como as dinâmicas colaborativas (eventos) conectaram competências e teceram funções interdependentes em um sistema de interrelações na resposta social à pandemia COVID19, analisando as experiências em diferentes cidades brasileiras.
Evidenciou-se que as práticas colaborativas foi fundamental para o enfrentamento à pandemia, minimizando a fome e as condições favoráveis à disseminação do vírus. Por outro lado, o que se percebeu ao longo da pesquisa é que a maioria dos eventos não se limita ao contexto pandêmico, mas são fragilidades e potencialidades que permeiam as relações em outros momentos. Percebeu-se que, a partir da perspectiva do Design Estratégico, pode-se impulsionar a transformação de iniciativas colaborativas individuais em comunidades criativas, promovendo a ampla participação, o diálogo, a construção de sentido e valor compartilhado, bem como, o reconhecimento da potência dos coletivos no território, integrando suas causas e fomentando a autonomia local e a ressignificação dos espaços comunitários.
As práticas colaborativas são pesquisadas no Design estratégico por vários autores, entre eles, Meroni [10] apresenta as iniciativas colaborativas difusas que compreendem em uma multiplicidade de iniciativas locais, introduzidas por indivíduos nos seus contextos para lidar com problemas que os afetam. Trata-se, de fato, de iniciativas que buscam compartilhar espaços e serviços com o objetivo de promover o bem-estar social. Segundo a autora, na medida em que essas iniciativas evoluem na estruturação, configuraram serviços colaborativos: uma forma mais madura e consolidada dos projetos desenvolvidos por estes grupos de indivíduos. Trata-se de serviços em que os atores envolvem-se ativamente e colaborativamente na produção de um valor reconhecido e que funcionam como uma empresa social voltada à resolução colaborativa de problemas cotidianos [10]. Por outro lado, Manzini [5] pesquisa as comunidades criativas que são iniciativas coletivas que constroem e potencializam capacidades para lidar com demandas complexas de forma criativa, rompendo modelos convencionais de pensamento, jeitos de fazer e projetar, em boa medida, inovadoras.
Para Rodrigues [11] existe muito espaço na pesquisa sobre iniciativas em comunidades que de forma criativa buscam solucionar problemas. Neste ambiente incerto e complexo busca-se compreender as variáveis envolvidas no problema, construir possibilidades de ação no hoje para fomentar futuros desejados [11]. Nesta articulação, as pessoas que são chamadas a colaborar com uma variedade de interlocutores, detentores de conhecimentos específicos que interagem com os mais diversos atores em uma construção dialógica e coletiva de cenários situados na realidade local [12]. A potência da transformação por meio de soluções construídas por meio de cenários que envolvem debates sociais consistentes e colaboração, bem como a construção de visões comuns de futuros possíveis e sustentáveis [5]. Um dos pilares do Design Estratégico é a construção de cenários. Hindrichson e Franzato [13] apresentam que os cenários permitem a representação da complexidade dos elementos que envolvem um problema e as formas como uma organização pode compreendê-los e enfrentá-los projetualmente.
Conforme o exposto, o Design Estratégico tem como desafio a construção de cenários futuros que inspiram ações no presente, projetando o caminho da transformação. Esse processo é contextualizado e tem o DNA dos atores envolvidos, mas podem ser reaplicados em outros espaços e contextos com as devidas adequações culturais e estruturais, uma vez que os artefatos resultantes desta ação projetual pode ser reconhecida como tecnologia social que são “[…] técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida” [14] (p. 29). O Design Estratégico propõe a construção de sentido, a transformação efetiva, abraçando a diversidade, a incerteza e a complexidade como elementos fundamentais do processo.
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REFERÊNCIAS
[1] TIESINGA, Hendrickt; BERKHOUT, Remko (Ed.). Labcraft: How social labs cultivate change through innovation and collaboration. Labcraft Publishing, 2014.
[2] LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2007.
[3] COSTA, Ana Carolina et al. Criatividade: fio condutor do design. Pimenta Cultural, 2020.
[4] HEEMANN, Adriano; Y JEANDREY, Patrícia Jorge Vieira Lima; CORRÊA, Scuissiatto. Compreendendo a colaboração em design de produto. Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación. Universidad de Palermo. ISSN, v. 1850, p. 2032, 1850.
[5] MANZINI, E. Design para inovação social e sustentabilidade: comunidades criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais. Rio de Janeiro: E-Papers, ISBN 978-85-7650-170-1. 1ª edição, 2008.
[6] MAURI, Francesco. Progettare progettando strategia. Milano: Masson S.p.A, 1996.
[7] ZURLO, Francesco. Design Strategico. In XXI Secolo (vol. Gli spazi e le arti). Roma: Enciclopedia Treccani, 2010. Disponível em: < http://www.treccani.it/enciclopedia/design-strategico_%28XXI-Secolo%29/>.
[8] CELASCHI, Flaviano; DESERTI, Alessandro. Design e innovazione: strumenti e pratiche per la ricerca applicata. Roma: Carocci, 2007.
[9] FREIRE, Karine; DEL GAUDIO, Chiara; FRANZATO, Carlo. Strategies by design towards creative ecosystems of social innovation. IFDP`16 - Systems & Design:Beyond Processes and Thinking. Universitat Politècnica de València, Spain, 2016. Disponível em: < http://hdl.handle.net/10251/89541>.
[10] MERONI, Anna. Creative Communities. People inventing sustainable ways of living. Edizioni Polidesign, 2007.
[11] RODRIGUES, Keyla Copes. Empreendedorismo por engajamento e “Sustentabilidade Projetual”: leitura dos processos dos designers empreendedores, pelo design estratégico. Dissertação (Mestrado em Design) – PPG em Design, Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Porto Alegre, 2018. Disponível em: < http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/7136> .
[12] MANZINI, Ezio. Design quando todos fazem design. Uma introdução ao design para a inovação social. Coordenação de tradução Luzia Araújo. _ São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 2017.
[13] HINDRICHSON, Patrícia Hartmann; FRANZATO, Carlo. Design de cenários: uma tecnologia para promover o compartilhamento de conhecimentos em redes de projeto. Revista D: Design, Educação, Sociedade e Sustentabilidade, v. 4, n. 4, 2012, pp. 155-168. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Patricia_Hartmann_Hindrichson2/publication/305725347_Design_de_Cenarios_uma_Tecnologia_ para_Promover_o_Compartilhamento_de_Conhecimentos_em_Redes_de_Projeto_Scenarios_design_a_technology_for_knowledge_sharing_in_design_networks/links/579d21fd08ae802facbb98a3/Design-de-Cenarios-uma-Tecnologia-para-Promover-o-Compartilhamento-de-Conhecimentos-em-Redes-de-Projeto-Scenarios-design-a-technology-for-knowledge-sharing-in-design-networks.pdf>.
[14] BRASIL, I. T. S. Caderno de Debate–Tecnologia Social no Brasil. São Paulo: ITS, v. 26, 2004. Disponível em:< https://docs.wixstatic.com/ugd/85fd89_5dbe395e82e142caad9baa12765461bb.pdf>.
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